A inconstitucionalidade da PEC 241
O que está em jogo com a PEC 241
não é uma disputa entre a “responsabilidade” e a “irresponsabilidade” fiscal. A
responsabilidade fiscal é um paradigma já assimilado pela Constituição de 1988
e refletido pelo sistema legal, de modo que não precisamos de uma PEC para
garanti-la. Uma Presidenta foi deposta, inclusive, sob o argumento (sic!) de
que teria violado tal paradigma de governança. Por tanto, se há algo de eficaz
no nosso constitucionalismo, são eles os imperativos da “responsabilidade
fiscal”. A PEC 241 aposta em algo muito mais radical e é justamente nesse
radicalismo cínico que encontraremos a sua inconstitucionalidade.
A flagrante inconstitucionalidade
da PEC 241 não estará nos orçamentos que, ano a ano, ela poderá impor. Esses
orçamentos não seriam, enquanto tais, opções orçamentárias inconstitucionais
apenas por estarem, por exemplo, promovendo um “arrocho” financeiro nos gastos
do Governo em determinado ano. A principal causa de sua inconstitucionalidade
está na limitação previa das despesas primárias em valores absolutos pelos
próximos 20 anos, uma vez que o inciso primeiro do § 3º do eventual art. 102
amarra as despesas primárias de 2017 às de 2016, ao tempo em que o inciso segundo
amarra as despesas primárias dos próximos exercícios ao anterior. Ou seja, na
prática, a PEC 241 decide o valor absoluto das despesas primárias, bem como o
critério de sua correção monetária, a partir de uma decisão política tomada e
legitimada para o contexto de 2016, juridicizando as “impossibilidades” de uma
determinada política econômica para contextos imprevisíveis até 2036.
Em outras palavras, a PEC 241 retira
da política a possibilidade de se optar por ampliação ou redução nos gastos
públicos, decisão que, dentro de alguns limites mínimos, deve se manter aberta
às deliberações democráticas em um jogo que transforma, em diferentes
contextos, planos político-econômicos plurianuais em leis de diretrizes
orçamentárias e, por fim, em orçamentos relacionados a cada exercício financeiro.
Se concebermos essas possibilidades no horizonte de um constitucionalismo
dirigente clássico, a PEC 241 viola o centro das “possíveis possibilidades” de
concretização de um compromisso programático cuja alteração dependeria uma nova
Constituinte que, além da legitimação processual e de um contexto quase-revolucionário,
tampouco poderia enfrentar a contingência econômica mediante a estipulação de
limites “absolutos” nos gastos. Por outro lado, mesmo se ignorarmos esse
horizonte dirigente, a PEC 241 representa a colonização da política pelo
direito, impede políticas futuras e ignora o risco na sustentabilidade desses
sistemas sociais. Não há caminhos possíveis para a constitucionalidade da PEC
241.
Para além da
inconstitucionalidade de origem e de um regime de exceção de 20 anos que, na
prática, derroga o regime constitucional de vinculação dos gastos com educação
e saúde, a PEC 241 traz outras inconstitucionalidades acessórias. Por exemplo, prevê
no inciso I do eventual art. 103 dos ADCTs a impossibilidade de reajustes dos
servidores daqueles órgãos ou poderes que descumprirem os limites orçamentários,
estabelecendo uma pena que atinge sujeitos que, em nenhum momento, poderia ter
impedido a violação da norma. A PEC traz, ainda, questões curiosas que nos
levam a refletir sobre as conveniências políticas que a motivam e seu caráter isonômico quando
exclui, no §6º de um eventual art. 102, uma série de despesas, a exemplo da assistência financeira ao Distrito Federal
para a execução de serviços públicos. Parece-nos que, ao contrário dos
prejuízos no campo social, os gramados de Brasília não poderão ser afetados com
a política fiscal proposta. De igual modo, a exceção aos gastos na segurança
pública.
Com isso,
percebe-se que a PEC 241 é, no fundo, a tentativa de imposição de um paradigma
neoliberal de Estado mínimo, retirando das urnas e dos governos legitimamente
eleitos a possibilidade de adoção de medidas contrárias a esse paradigma. E faz
isso sem levar em consideração inúmeras variáveis que, à luz das críticas que o
próprio FMI vem fazendo à eficiência das políticas de austeridade fiscal, nem
mesmo a cartilha neoliberal ignora. A redução do
Estado e de seus gastos, independentemente de suas receitas, é, dentre de
alguns limites, uma política possível, mas que precisa ser legitimada no tempo
da política, jamais na perpetuação de sua temporalidade.
A PEC 241 é a morte da política. A imposição de “uma” das
políticas possíveis no presente, em boa parte incompatível com a Constituição
de 1988 e que, talvez, sequer seja viável daqui a 10 ou 20 anos. Proposta pelo
Governo Temer, é a eternização de um golpe através de uma regra socialmente
burra, inteligente apenas para a elevação do superávit primário. É a tentativa
de impor um projeto que, além de nunca ter sido aprovado pelas urnas, pretende
retirar delas a “possibilidade” de “políticas possíveis”.
Wálber Araujo Carneiro
Professor Adjunto da Universidade Federal da Bahia